Por que ser missionário na Alemanha?

Fonte: Bruno e Noemi

"Todo pastor quer ser missionário na Europa. Quero ver pastor que quer ser missionário no Nordeste ou na África..."

Li, certa vez, essa frase numa comunidade cristã na internet e lembro que tive duas reações a respeito. Primeiro, concordei dando risada e depois fiquei ofendida. As pessoas que responderam à frase pareceram ser todas unânimes em concordância. Nessa frase estão embutidas pelo menos duas ideias:

1. Pastores/Missionários na Europa têm uma vida muito mais fácil/melhor.
2. O Nordeste brasileiro e a África têm uma necessidade muito maior do Evangelho.


Eu entendo o pressuposto. Quando eu era criança, eu dizia que seria missionária na Disney, só para ter a chance de me divertir a custo do meu "chamado". Quem quer ir para a Europa como missionário, deve estar pensando a mesma coisa, não? Afinal, a Europa necessita de missionários? Quão mais fácil é a vida na Europa, em relação ao Nordeste brasileiro e à África?

Meus pais foram missionários no Nordeste. Eles chegaram numa região que, de fato, era mais pobre que São Paulo, mas onde as pessoas eram mais hospitaleiras, abertas e mais conscientes da sua necessidade de Cristo. Encontramos pessoas extremamente criativas e com talentos naturais, que sabiam fazer o impossível a partir dos poucos recursos. Uma vez transformados por Deus, suas vidas não continuavam as mesmas. Fizemos amigos para a vida toda. Amigos que até hoje oferecem insistentemente suas próprias camas quando têm visitantes e que não enxergam limites para o serviço um para com o outro. O trabalho missionário iniciado lá, mais de uma década depois, prossegue e prospera, mesmo com dificuldades financeiras< Sei que essa é a experiência de muitos outros missionários. A África já é conhecida por suas megachurches, pessoas se convertendo na base das centenas, pessoas que dançam e cantam e testemunham apaixonadamente a respeito do amor que os transformou. A miséria é, de fato, grande, mas os frutos evidentes fazem tudo valer a pena. < E na Europa? Vou falar da Alemanha, que essa é a nossa experiência.

Um missionário brasileiro pode chegar na Alemanha e ter alguns choques. O primeiro é que o idioma é muito mais difícil do que parece. Não falar o idioma nacional em qualquer país é pior do que ser um analfabeto. É difícil não ser capaz de se expressar, nem que a sua vida dependa disso.

O segundo choque é que essa é uma cultura extremamente diferente. Enquanto o brasileiro e o africano são conhecidos por demonstrarem alegria em meio à miséria, a Alemanha parece ser especialista em mostrar tristeza em meio à prosperidade. As pessoas têm todos os recursos que necessitam, mas não têm um sentido na vida. A guerra não só matou judeus, como também mutilou o caráter de uma geração inteira de alemães. As pessoas se isolaram, passaram a suspeitar de todo tipo de poder elevado, criaram a tendência a se preocupar a todo instante com tudo. Uma geração inteira de homens, pais de família, voltaram desmoralizados, frios e fechados da guerra, incapazes de demonstrar amor por seus filhos, que formaram a próxima geração, homens e mulheres adultos na Alemanha hoje. Muitos se fecharam numa muralha de orgulho, solidão e desconfiança.

Não há hospitalidade. Há suspeita em relação a todo estrangeiro. Há solidão, frio e barreiras culturais demais para se transpor. O evangelho não se prolifera. Igrejas consideradas bem grandes* na Alemanha, nas poucas cidades onde elas se encontram, têm cerca de 100 pessoas. Não é difícil ter que viajar muitos quilometros para se visitar uma.

É nesse lugar que chegam constantemente brasileiros empolgados com a possível melhora de vida e que em menos de um ano desistem e voltam para o Brasil, desiludidos e re-apaixonados pela própria pátria.

É para esse mesmo lugar que apenas alguns poucos missionários conseguem ir. E mesmo depois de lutar com o idioma, com a frieza da população, com a solidão, com a burocracia, com o clima hostil, com os preços elevados de moradia, aquecimento, alimentação e água, ele não tem o apoio que precisa dos cristãos no Brasil, porque estes acham que o missionário está muito bem de vida, curtindo ser turista numa sociedade extremamente próspera. A Alemanha é próspera financeiramente, de fato. O que significa que os preços das coisas mais básicas para a sobrevivência são muito mais elevados do que nos países pobres. Dá para imaginar o que isso significa para um missionário que sobrevive a partir de doações de cristãos no Brasil.

Se você quer ser missionário na Alemanha, não deixe que tudo isso que falei o desanime. Deus ainda age, em qualquer lugar, de qualquer forma. Os corações de pedra podem ainda ser trocados por um coração de carne. Mas é um longo processo, que exige paciência, fé e muito amor. O objetivo desse post não é  desanimar, mas mostrar para aqueles que não têm o mesmo chamado, que eles precisam apoia-lo, quer você vá para a região mais pobre da África ou para a mais rica da Alemanha. O que o envia é o mesmo e os desafios, embora diferentes, são tão gigantescos quanto.

Fato: Só no Brasil há mais evangélicos que na Europa INTEIRA.


Estatísticas
População alemã: 82 milhões
Evangélicos: 3,2 % = 2.624.000
Pentecostais: 0,1 % = 100.000

Deus os abençoe,
Noemi

* Quando falo de igrejas na Alemanha, não me refiro às estatais (Católica e Luterana) que têm uma função quase que apenas decorativa e social no país.